O que leva uma pessoa a aderir a uma seita ou grupo onde a primeira coisa que ela é obrigada a deixar logo na porta de entrada é seu livre arbítrio? Perguntando de uma outra maneira, o que ganha uma pessoa nestas circunstâncias?
Outra pergunta que nos levará na
direção que me interessa. Vivemos uma época com menos guerras
proporcionalmente, mais fartura e menos miseráveis (ainda que hajam muitos, é
claro), do que qualquer outra no passado. Então por que ansiedade e depressão
são as doenças típicas de nossos tempos, muito mais do que antes?
Última questão para fechar o
raciocínio. Qual é a pior de todas as dores para o ser humano? A julgar pelo
que estamos dispostos a fazer para nos ver livres dela, teríamos de dizer que é
a culpa. Não pela sua agudeza (há muitas outras piores nesse quesito). De fato,
na sua falta de agudeza é que mora o perigo, porque quase nos leva a crer que
não há dor alguma ali. Não, é o seu caráter crônico, silencioso e permanente
que nos tortura e mata lentamente.
Mas o que culpa tem que ver com
seitas e depressão? Fuga. Da culpa. Qual? Há uma infinidade de culpas, das de
cunho sexual àquelas ligadas a nossos instintos agressivos e sádicos reprimidos
(nesse caso, graças a Deus!) Por isso vou simplificar e fornecer um cenário
possível de culpa muito contemporâneo, resultado de uma combinação interessante
de fatores. Primeiro, nosso tempo parece nos fornecer muito mais alternativas
para sermos felizes e saciados do que qualquer outro. E, segundo, nunca foi tão
fácil sabermos da vida dos outros. De fato, ela é atirada na nossa cara (sem a
solicitarmos) na forma de imagens de viagens, relacionamentos, conquistas,
premiações, sorrisos e barrigas negativas o tempo todo. É um inferno!
O resultado é que nunca nos sentimos
tão culpados por nossa flagrante incompetência em fazermos de nós mesmos
pessoas felizes. Há lá fora um mundo de oportunidades de gozo, até o pico do
Himalaia virou destino turístico, e ainda assim você não consegue ser feliz?
Mas você é muito idiota, mesmo!
Curiosamente, a relativa falta de
impedimentos, privações e renúncias na busca da felicidade é que está nos
deprimindo. A ponto de cogitarmos de buscar todas essas coisas (impedimentos,
privações e renúncias) artificialmente, porque isso termina sendo o que mais
faz sentido, se se trata de encontrar a felicidade. Privações físicas (prática
de esportes radicais, por exemplo) com recompensas meritórias ao final (você
conseguiu!) são uma maneira. No caso, virtuosa e saudável. Mas para culpas mais
viscerais que praticamente paralisam o indivíduo, estratégias mais extremas se
fazem necessárias.
E aí respondo a pergunta inicial. O
que quem entra na seita ganha é justamente a interdição do motor por trás da
situação de culpa: o próprio livre arbítrio, ou a própria vontade. Se não sou
eu mais quem QUER, a responsabilidade pelo fracasso já não é mais minha. Não
tenho mais culpa. Se tenho algum ressentimento ou inveja de terceiros, melhor
ainda, porque o grupo me justifica. E
ainda recebo ao final a recompensa da aceitação e aprovação do grupo/líder. Um
bom negócio!
Na verdade, quem entra numa seita
está diante de uma escolha (ou falta de) difícil entre dois cenários adversos
de infelicidade e privação. A psicanálise muitas vezes enxerga nessa adesão a
algo que nos violenta uma pulsão de morte. A meu ver ainda é o bom e velho
impulso de vida e busca de prazer, na forma de opção pelo caminho menos
doloroso. Se submeter de forma masoquista a castigos físicos também se enquadra
nessa explicação, mas isso é uma outra história.
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