Trecho de “Não Branco Não Homem – VOL 1”:
Os três meninos têm alguma coisa entre onze e doze anos. Um parece o líder, aquele que traz as idéias, o outro parece orgulhoso de ser o seu secretário e o terceiro se comporta como alguém que aceitou ser iniciado. Não é tão tarde – umas oito da noite – mas meninos dessa idade não deveriam estar em frente a um beco escuro numa cidade grande como Cravos, a essa hora.
– Pois eu duvido que você tenha coragem. Duvido! – o líder provoca.
– É, quer saber? Não sei nem porque viemos. É claro que ele não vai ter
coragem – o secretário emenda em perfeita sincronia a provocação, e faz menção
de partir.
– Eu não tenho medo de nada – o menino se defende, sem muita convicção.
– Então prove! – desafia o líder.
Como o menino não se move, os outros desandam a gritar:
– Bananão! Bananão! Bananão!
O menino iniciado dá um passo à frente;
– Esperem. Eu vou.
– Assim é que se fala! – os outros aplaudem em coro.
– Afinal um beco escuro à noite é a mesma coisa que um beco claro de dia.
Só que sem luz – o menino procurou se tranquilizar. Respirou fundo e iniciou a
caminhada rumo às trevas, os muros em volta, em avançado estado de
deterioração, davam a impressão de se lançaremameaçadoramente sobre ele como
monstros com bocarras.
– É, um beco à noite é igual a de dia. Exceto pelos vampiros – atiçou o
secretário, e sua gargalhada se juntou à do líder. O iniciado se deteve por um
instante, mas reiniciou sua provação. A alguma distância o líder gritou:
– O combinado é você entrar no escuro até o fim do beco. Só aí a gente
acende a lanterna. Até o fim. Senão não vale!
Pé ante pé o menino mergulha na escuridão. Dentro do peito seu coração
parece querer saltar para fora numa grande batucada. Sua mente tenta não
sucumbir, mas imediatamente pensamentos catastróficos a tomam por inteiro: “Eu
vou morrer! E minha mãe nem sabe onde estou! Nunca mais vou deitar de novo na
minha cama”.
Mas seus passos se sucediam e nada dele morrer. Como ele já conseguia
domar o medo, enquanto se afastava de seus amigos, a um certo ponto ele
percebeu outra possibilidade: “Ei, eu sou um herói”. Isso ele constatou ao se
virar e perceber a atmosfera de terror circundando as silhuetas dos outros
dois, já bem distantes. “Agora eles é que estão com medo, não eu.”
– Podem vir. Não há nada – desafiou, confiante. – Vamos, vocês não estão
com medo, estão?
Então foi a vez dos outros dois se aproximarem muito cautelosamente,
traindo o medo que procuravam infligir ao iniciado.
– Venham – agora ele se sentia o máximo – é só um beco.
Logo após os primeiros passos, o líder acendeu a lanterna e apontou para
o fundo do beco, onde o primeiro menino estavavalentemente postado, voltado
para eles, com as mãos na cintura, como um super herói em miniatura.
Imediatamente uma cena horrenda, cadavérica e vermelho escura se descortina. E
os dois garotos dão meia volta e disparam apavorados, largando a lanterna no
chão. O menino iniciado fica rindo, de costas para o fundo do beco:
– O que? Não tem nada aqui! Bananões! Bananões!
Bananões!
O post Trecho: os meninos no beco escuro apareceu primeiro em Crônicas Não branco Não homem.