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Tive uma idéia fabulosa para facilitar a reprodução dos animais. Quer ouvir?
– Claro, Deus, o senhor sempre tem idéias, digamos assim, instigantes.
– Pois bem, escute só. Estou querendo agitar um pouco as coisas no reino animal. Está tudo muito repetido, muito sem graça. Então eu tive essa idéia genial. Você sempre foi um funcionário que diz o que pensa e quero, portanto, sua opinião sincera.
– Vamos ouvi-la, senhor!
– Metade da população vai enfiar uma coisa na outra metade
da população. (muito animado, quase eufórico) Vai injetar uma coisa que vai
germinar na barriga da outra metade, o lindo do processo é que vão ser
necessários os dois, e é incrível porque abre a possibilidade de uma
diversidade muito, mas muito, maior. Chega dessa porcaria de divisão celular
babaca!
– Metade da população vai enfiar uma coisa na outra metade…?
– É, eu sei que parece estranho, mas eu já pensei em tudo, vai dar certo.
– Parece um pouco estranho, mas é claro que é uma idéia muito promissora, entendo o seu entusiasmo. Eu não entendo, a princípio…vai ser um processo espontâneo? Quero dizer, cada bicho vai fazer isso de vontade própria?
– Claro, isso é essencial para mim. Livre arbítrio. Democracia!
– Mas esses bichos vão enfiar algo nos outros bichos exatamente…por que, mesmo?
Deus com ar triunfante:
– É a jóia da coroa do processo. Passei meses pensando. Se chamará Desejo Sexual. Vai ser o que vai motivar os bichos a enfiarem a coisa uns nos outros.
– Por causa desse Desejo? Só por causa dele?
– É, vai ser uma coisa tão forte que muitos vão fazer disso o motivo de suas existências.
– Sendo o motivo de suas existências enfiar…uma coisa…nos outros bichos?
– E de ser enfiado também, é claro. Todos vão querer muito enfiar e ser enfiados. Vai ser uma coisa importante. O futuro da espécie, afinal, vai depender disso.
– Se o senhor me permite levantar um ponto…
– Claro, quero saber a sua opinião sincera.
– Vai depender dos dois bichos. Entendi. Mas e se houver
uma dessincronia?
– Como, assim?
– Se os dois bichos não tiverem o desejo ao mesmo tempo.
Daí eu pensei, por exemplo…e se a metade da população que é…enfiada…não
quiser ser…enfiada… no momento em que a metade que enfia quiser enfiar?
Deus troca o sorriso por uma expressão tensa.
– Claro, já pensei nisso. Os que enfiam vão ser um pouco mais fortes do que os enfiados. Quero dizer, só em caso de impasse, porque a idéia geral é que seja consensual, entendeu agora?
– Ah, sim, claro, claro! Só em caso de impasse, os que enfiam vão ser um pouco mais fortes para poderem enfiar…à força. Quero dizer, só em caso de impasse, é claro.
– Isso mesmo! Medida contingencial. Temos que pensar sempre no pior cenário. Boa a idéia, não?
– Excelente, excelente. Eu só estava pensando que…
– O que, agora?
– Os que vão enfiar, vão enfiar o que, exatamente?
– Não gostaria que fosse um membro qualquer, uma perna, um braço. Eu tenho essa idéia romântica, meio poética, se quiser, de fazer um membro dedicado à tarefa. Acho que é tão importante que vai ser necessário um membro exclusivo para a finalidade.
– Exclusivo para a finalidade?
– E meio escondido. É, precisamos assegurar que nada aconteça a ele. Afinal toda a reprodução vai depender dele funcionar.
– Mas um membro dedicado somente a isso não seria um pouco demais? Me refiro à funcionalidade. Quero dizer, o bicho vai ter de carregar algo a vida inteira só para dois ou três momentos essenciais de reprodução. É um peso morto que pode comprometer as chances dele sobreviver…quero dizer, minha opinião…mas, é claro, posso estar errado, afinal…
– Não, tem razão, tem razão. Eu já tinha pensado nisso. Esse membro não vai ocupar espaço porque ele vai ser…(como quem inventa algo na hora) inflável!
– Inflável?!
– Sim, fantástico, não? Quando não estiver em uso, ele vai estar desinflado. Só aumentará de tamanho e se inflará na hora de…enfiar. Por causa do Desejo Sexual. Entendeu?
– Claro, claro! Fantástico! (para si mesmo) Só quero ver o que o departamento de engenharia vai dizer….
O post Deus conta a seu assessor sobre sua última grande ideia: a reprodução sexual apareceu primeiro em Crônicas Não branco Não homem.