Psicólogos behavioristas concluíram, após dois anos de
pesquisa junto a mais de 3.000 pessoas, que cada uma delas começava a vestir as
calças pela manhã sempre pela mesma perna. Exceto os serial killers. Mentira.
Claro. Acabei de inventar. Biólogos neozelandeses evolucionistas que
investigavam o papel do sentido do olfato no aprimoramento das espécies
chegaram por acaso a uma conclusão aterradora: indivíduos privados
continuamente do odor das próprias fezes têm quatro vezes mais chance de
contrair moléstias infecciosas. Evidente, outra bobagem monumental que me
brotou agora, na mesma categoria de verdades científicas.
Sempre tive grande facilidade de
inventar idiotices, sem o auxílio de qualquer substância tóxica. A questão
crucial é: terei sido a primeira pessoa na história da humanidade a inventar
esses despropósitos do parágrafo acima? Se sim, me preocupa a falta de
responsabilidade de quem inventou esse universo, ou a vida na Terra, ou a
espécie humana. Francamente, todo esse trabalho para chegar em… mim?! E
nesses meus fantásticos pensamentos originais, nunca antes sequer cogitados por
outro mortal?
Qualquer um de nós pode decidir a
qualquer momento pensar na propensão a depressão das pulgas recém enviuvadas, ou
na exigência de instalação de sanitários em elevadores de prédios com mais de
cem andares. Parece possível acreditar que se tentarmos bastante, vamos acabar
chegando em algo inédito na história do universo. Inédito e estúpido. Mas
podemos ser otimistas e crer que alguém possa estar, nesse exato instante,
concluindo algo tão genial como a Teoria da Relatividade. E de onde vem essa
joça toda?
Não é despropositado de modo
alguma fazer essa indagação, uma vez que correntes importantes da Filosofia
ainda se debatem sobre a possibilidade do livre arbítrio. Para esses, qualquer
decisão nossa não passa de ilusão. Ou seja, se não podemos nem decidir mudar de
canal quando se inicia a transmissão ao vivo da copa intercontinental de
badminton, calcule a dificuldade de decidir especular sobre a cor da calcinha
da rainha da Inglaterra nesse instante? Sem livre arbítrio, sem liberdade de
pensamento, sem bobagens ridículas. E sem teoria da Relatividade. Como escapar
desse pesadelo?
A escola filosófica com problemas
na área do livre arbítrio é o determinismo. Mais ou menos casado com a
causalidade linear, segundo a qual a história do universo é uma interminável
fileira de dominós sendo cronológica e perfeitamente derrubados pelo
imediamente anterior. Sem falhas. Sem surpresas. Com muito tédio.
Mas não sejamos injustos. Não é só o determinismo. A filosofia em geral e nossa época como um todo enfrentam problemas na hora de incluir a imprevisibilidade na nossa realidade. Epistemologicamente é fácil, o imprevisível é apenas o resultado da nossa ignorância. O imprevisível é apenas uma “falha”, como o fecho mal projetado da porta do foguete que explodiu no lançamento. Mas o imprevisível com status ontológico, esse não é brincadeira. Basta lembrar o fuzuê na comunidade científica quando Heisenberg afirmou que era impossível afirmar exata e simultaneamente qual é a posição e a velocidade de um elétron.
O embaraço para os homens do
nosso tempo é evidente, pelo nome que essa proeza levou: princípio da
in-certeza. Era para termos certeza de tudo, mas infelizmente deu ruim. Qual o
problema com essa gente? Deveríamos estar celebrando! Poderia se chamar
princípio da Liberdade ou princípio da Enfim-Podemos-Criar-Alguma-Coisa. Quero
dizer, se um maldito elétron pode passear sem coleira, por que não nós? Porém,
incrivelmente, ainda não chegamos lá.
O máximo que conseguimos é falar
em algo como “aleatório”, seja lá o que isso queira realmente dizer. Mutações
genéticas aleatórias estão por trás da evolução das espécies, dizem os
darwinistas. Aleatório é algo no meio do caminho. Tanto pode ser “impossível de
prever” como “ainda estamos trabalhando na previsão”. É bom porque ninguém fica
chateado.
No âmbito do pensamento e da imaginação humanas, ainda estamos na mesma. E o motivo é simples. Não se consegue demonstrar que o mínimo gesto humano seja fruto de um desejo, de uma decisão. E não de uma reação eletroquímica. Desejos e decisões, cada um de nós vivencia ansiosamente as próprias. Mas observar uma decisão neurologicamente sendo tomada? Nem pensar. Enfim, nadamos, nadamos… só para chegarmos na mesma praia determinista. Não há prova de que o meu teorema inicial sobre calças e serial killers não estivesse marcado para acontecer no instante em que aconteceu, desde o princípio dos tempos, no Big Bang.
Eu sei que é uma ambição idiota mas, caramba, eu não tenho o direito de pensar minhas próprias besteiras? E outra, se somos todos reações eletroquímicas ambulantes, qual o sentido de roubar um beijo ou gritar na hora do gol?
O post De onde vem o novo? apareceu primeiro em Crônicas Não branco Não homem.